A China, os EUA <br>e os computadores

Procuro aprender com os repórteres, procuro aprender com os seus relatórios e com a forma como detectam as oportunidades de voltar ao local e tirar uma «fotografia» da situação, quando pensam ser a altura apropriada - eles próprios ou a entidade da comunicação social que lhes encomenda o serviço, para o efeito vai dar ao mesmo - para registar progressos ou alterações relevantes. Aliás, nestes textos o meu [procurado] objectivo não é tanto relatar em primeira-mão a informação, mas chamar a atenção para ela, destacá-la, comentá-la e enquadrá-la em temas que devam ser, ou tenham vindo a ser elaborados e aprofundados.
Neste caso o palavreado acima vem a propósito de uma notícia referindo ter a China tinha em 2004, pela primeira vez ultrapassado os EUA em termos de exportações de «computadores». Li o artigo com atenção, mas também demasiado depressa, de manhã à saída de um quarto de hotel para me dirigir para um aeroporto, no meio dos últimos arranjos, do fecho do computador e guardar do respectivo cabo de alimentação, enfim do rápido empacotamento da bagagem. Tinha apanhado o jornal de cima de uma mesa onde é costume eles estarem para serviço dos hóspedes, à saída da sala do pequeno-almoço, quando me dirigia ao elevador de volta ao 7º piso, onde era o meu quarto e onde iria finalizar, com a pressa do costume, os preparos para abandonar o hotel e partir para a próxima paragem. Do jornal - a edição do Wall Street Journal para a Europa de 13 de Dezembro passado - esqueci-me lá e da notícia foi com o que fiquei. Nada mais me sobrou daquele sinal para esta crónica, a não ser um amigo que me terá dito, mais tarde, já em Lisboa, ter lido num jornal de cá uma notícia do mesmo teor - possivelmente decalcada daquela, pensei eu.
Mas estou convencido ter sido o suficiente o que me ficou da notícia para passar o sinal - a China, em termos de exportação tinha ultrapassado os EUA numa área que, em termos genéricos, é o sector por que este país gosta de ser visto quando se fala em os americanos serem os mais avançados do mundo em termos tecnológicos. É que não se referia - a notícia - a questões dos têxteis ou do calçado, ou outras semelhantes, normalmente qualificadas como dizendo respeito à indústria tradicional. É claro também que pode dizer-se que na China só se monta e pouco mais, ou que, em termos de I&D, as coisas realmente importantes continuam a ser feitas nas clássicas metrópoles do Capitalismo, a começar pelos EUA. Mas, na verdade, as coisas estão a passar das marcas em que as possam imaginar ou querer confinadas, nomeadamente no sector das tecnologias da informação e de outros considerados como pertencendo às tecnologias mais avançadas.
Com efeito, por exemplo, já há algum tempo a empresa chinesa Lenovo adquiriu o negócio de computadores pessoais da IBM. Muitos que andam por dentro destes meandros o saberão e estarão conscientes deste facto. Muitos o leram ou ouviram e, entretanto, esqueceram-no, porque a realidade, tal como nos é «fixada» pelos meios de comunicação social, é sobretudo constituída pela apresentação de factos que se sucedem com rapidez, deixando pouco lugar à consolidação de conhecimentos que não sejam os referentes a um quadro geral mediático que vai sendo mantido como «nossa» referência básica de realidade. Para a maior parte das pessoas, tal facto será um facto inconcebível: Então os chineses compraram mesmo à gigantesca IBM - esta sendo uma referência principal dos EUA e do Capitalismo para a área dos computadores - o seu negócio de «computadores pessoais»? Que brincadeira é esta? Vão, a seguir, comprar a Microsoft? - poderão alguns perguntar-se. É verdade, ainda não se sabe onde tudo vai acabar, mas o certo, para já, é este sinal proporcionado pela Lenovo ter sido muito mais do que minimamente significativo, ou não será assim?
Ou, outro exemplo, o da Huawei, fabricante da área das telecomunicações, dispor de 20000 (!) empregados na área da I&D. O expoente Siemens, na sua unidade de excelência mundial de I&D em Portugal juntará uns 200. Terá a Siemens de dispor 100 vezes esta dimensão para chegar ao tamanho da Huawei. Será o caso?
Só dois exemplos para ajudar ao debate sobre tais questões.
Por estas e por outras, achei ser a notícia da ultrapassagem dos EUA pela China em termos de exportação de «computadores» mais do que uma boa oportunidade para voltar a abordar este assunto. A ver se os mais refractários a estas ideias finalmente as integram no sua matriz de reflexão…


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